quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Deficiência: Tempo de Balanço

Escrevo na véspera do dia 3 de dezembro. Dia internacional da pessoa com deficiência. Mais do que um dia de comemoração, enquanto não vivermos numa sociedade inclusiva, que não segregue nem discrimine ninguém pela sua cor de pele, orientação sexual ou diversidade funcional, penso que este dia deverá ser um dia reflexão sobre a vida das pessoas com deficiência.

Aproveitemos então a data para fazermos um balanço do ano. Do tempo que passou desde o último dia 3 de dezembro.

Foi um ano que trouxe novidades. Caiu um governo de direita que de uma forma direta, ou indiretamente através de uma política de austeridade absurda, prejudicou seriamente a vida das pessoas com deficiência e das suas famílias. Novo governo foi empossado. Dois orçamentos do estado foram aprovados.

Já podemos tirar algumas conclusões.

Há sinais, e algumas decisões já tomadas, que nos levam a crer que as coisas estão melhores, que uma nova política, um novo paradigma assente no reconhecimento de direitos humanos, e não num assistencialismo caritativo, está em marcha.

E é verdade, se atendermos, por exemplo, a duas medidas já decididas. Os projetos-piloto de Vida Independente e a “revolução” que vai haver no domínio das prestações sociais com a entrada em vigor da chamada “prestação única”. São claramente duas medidas que vão no sentido correto.

A Vida Independente, permitirá a muitas pessoas com deficiência finalmente ter o poder de decidir onde, como e com quem viver. Uma alteração radical face a anos de políticas em que não havia alternativa, para quem precisava de ajuda de terceiros, entre ficar em casa e depender da família ou ir para um lar residencial e tornar-se dependente de uma instituição que lhe estabelecia horários, comidas, etc.. Será uma clara alteração de poder, em que a pessoa com deficiência terá os meios para ser dona da sua vida.

Também a “prestação única” significa uma alteração significativa. Esta prestação irá ter uma componente de combate à pobreza que permitirá que as pessoas com deficiência que não tenham rendimentos suficientes vejam esses rendimentos complementados até perfazer a quantia equivalente ao patamar do limiar de pobreza. Quer isto dizer, na prática, que quem era obrigado a viver com cerca de 200 euros da pensão social de invalidez, passará a ter um rendimento garantido que hoje seria cerca de 421 euros.

Bastam estes dois exemplos para verificarmos que houve uma real alteração de paradigma nas políticas para a deficiência. Mas nem tudo corre bem.

O problema está no tempo que está a levar a implementação destas políticas. Os projetos-piloto de vida independente já estavam previstos no orçamento do estado para 2016 e o que temos por enquanto é a promessa de que até ao fim do ano exista uma resolução no Conselho de Ministros de enquadramento destes projetos e a concretização das candidaturas passarão de certeza para o primeiro trimestre de 2017.

Pior é a situação da “Prestação Única”. De acordo com os documentos de apoio às Grandes Opções do Plano para 2017, haverá uma implementação gradual e faseada que decorrerá até ao ano de 2019. Não sendo claro como vai ser este faseamento, o que sabemos é que está prevista a implementação duma primeira fase unicamente no quarto trimestre de 2017.

Assim, o que podemos dizer do ano que passou?

Que o caminho é este, mas que temos de caminhar muito mais depressa.

Que o caminho é este, mas ainda há muita coisa para alterar e resolver.

O Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio continua um calvário burocrático sem resposta em tempo útil, onde ainda se continua a invocar a falta de verbas para recusar pedidos.

A formação profissional inclusiva é ainda uma miragem

A educação inclusiva não está a cumprir de facto a sua função.

A legislação sobre acessibilidade não está a ser respeitada, por incúria e desleixo dos responsáveis, mas também por falta de recursos disponíveis.

O acesso ao emprego é o que se sabe.

O próximo ano terá de ser o ano da concretização das intenções que têm sido expressas. Muito há para fazer. Mas há muito para fazer porque foram muitos os anos em que nada foi feito pela população com deficiência. Agora é meter mãos à obra e seguir em frente.

Por Jorge Falcato. Arquiteto, deputado do Bloco de Esquerda (independente), ativista do Movimento (d)Eficientes Indignados. Artigo publicado na revista Plural&Singular nº 17

Fonte: Espuerda.net

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